“Transformar a vida das mulheres, transforma todas as vidas”.(C.G)
Cláudia Guerra – Doutora em História, professora em graduação e pós, vereadora pelo PDT em Uberlândia–MG, presidente do PDT-Uberlândia, vice-presidente da AMT-MG e pré-candidata à reeleição ao legislativo municipal. De família matrilinear, de pai que presencial tragédia familiar, casada há 24 anos e mãe de dois adolescentes.
Mediante convite por décadas para estar na política institucional, já que política se faz desde o nascimento até a morte, eu mencionava que só disponibilizaria meu nome quando sentisse que teria estômago e útero para tal. Com os retrocessos nacionais desde 2018, senti-me convocada e escolhi o PDT por seu histórico de consistência, seus movimentos de base: mulheres, educação, diversidade, dentre outros e pelo cunho ideológico progressista, com foco no social,
Desde que assumi o mandato em 2020, eleita, em contexto de pandemia, com quase 2.700 votos em Uberlândia, a segunda cidade do Estado de Minas, na minha primeira eleição e praticamente sem recursos, abracei o compromisso de honrar cada pessoa que confiou na minha trajetória. Me comprometi a representar e defender as necessidades do povo de Uberlândia, trabalhando ativamente para que a voz da população, principalmente das pessoas mais desassistidas, ecoe para direcionar as políticas públicas necessárias.
Passei pela experiência de me lançar a Deputada Estadual em 2022, tendo sido, junto com a colega Duda Salabert, ela para federal e, eu, para estadual, as mulheres com mais votos do PDT. Eu tive quase 16 mil votos, 12 mil só em Uberlândia e o restante dos votos divididos em 428 municípios de Minas, com pouquíssimo recurso em comparação com colegas do legislativo municipal que se colocaram como candidatos(as).
Atuando há mais de 30 anos pela segurança e promoção das mulheres, na sua diversidade e interseccionalidade, sempre soube dos desafios enfrentados por presenças femininas em espaços de poder e de decisão. Senti na pele práticas de sexismo e misógina, em constantes tentativas de descredibilização, intimidação e silenciamento, com atitudes hoje já caracterizadas como violência política de gênero. A propósito, a lei contra a violência política de gênero é nossa e foi aprovada na câmara.
Passei por episódios como o corte do microfone enquanto falava na tribuna, um presidente da câmara mencionou que eu “falava mais que papagaio”, mesmo eu estando no meu tempo de fala; fui tachada como descontrolada com um parlamentar me perguntando se eu havia tomado calmante por estar quieta na minha mesa; me insultaram enquanto eu apenas defendia a minha posição em uma discussão de projeto; sofri provocações, minha assessora foi ameaçada por estar fazendo seu trabalho de registrar minha atuação e me insultaram e tentaram me desacreditar falando, erroneamente, sobre minha vida pessoal e ainda tentando me intimidar, me encostando parte do corpo, com envio de beijos cínicos. Enfim, inúmeras situações não usuais ou recorrentes com homens. Se homens xingam, partem pra cima e gritam estão num debate acalorado. Se mulheres debatem ideias, com argumentos assertivos, são tidas como barraqueiras e, como disse um jornalista de veículo nada desinteressado, por receber recurso de publicidade da prefeitura, “quer ganhar no grito” e sugere que estou alterada.
Recebi até mesmo ameaças de “estupro corretivo” e violência sexual, por três vezes com menções sobre minha assessoria e família, chegando no e-mail institucional da Câmara de Uberlândia, com remetentes falsos. Antes de acontecer comigo, parlamentares mineiras como Lohanna França, Bella Gonçalves e Beatriz Cerqueira também foram ameaçadas. Tomamos as providências juntamente com as forças de segurança: Delegacia de Mulheres, setor de investigações cibernéticas e Ministério Público Federal que havia constituído grupo de trabalho para tal e aguardamos a identificação dos responsáveis por meio das investigações em andamento.
Conteúdo do primeiro e-mail de ameaça recebido pela Vereadora Cláudia Guerra.
Fonte: E-mail institucional Vereadora Cláudia Guerra, 2023.
A Câmara de Uberlândia ainda não possui uma abertura igualitária para o aumento da representatividade feminina. Em 132 anos de legislativo municipal, somente 20 mulheres foram eleitas como vereadoras. E na legislatura em que me elegi, entraram 20 homens. Essa conta não fecha, sendo, as mulheres, a maior parte da população, das eleitoras, de mão-de-obra economicamente ativa, inclusive com maior escolaridade. Por outro lado, são as mais pobres, ainda com salários menores para as mesmas funções, as mais violentadas no âmbito do lar, principalmente as negras e minorias nos espaços de poder. Nosso Estado, Minas Gerais, tem ficado em 1º e 2º lugar em feminicídios do país e Uberlândia é a segunda cidade do Estado.
Na composição, as comissões parlamentares mais importantes são presididas por homens e os pareceres são predominantemente políticos e não jurídicos ou técnicos e eu estando como oposição, recebo muitos pareceres contrários, mesmo que meus projetos inspirem outras(os) e que tenham pareceres favoráveis e aprovados em outras cidades. A mesa diretora nunca foi presidida por uma mulher. A cidade nunca teve uma prefeita. Prevalece a sub-representação feminina de mulheres com trajetória de promoção das mulheres. Nosso olhar e perspectiva são diferentes e precisam ser contempladas.
Os diagnósticos nacionais contam, também, sobre os desafios das mulheres na política: entre 2016 e 2022, o Brasil teve, em média, 52% do eleitorado constituído por mulheres; 33% de candidaturas femininas e 15% de eleitas (TSE).
O ranking revela que, em outubro de 2023, o Brasil ocupa a posição 132ª, com apenas 17,5% de assentos ocupados por mulheres na Câmara dos Deputados.
Nas eleições gerais de 2022, 18% dos candidatos eleitos para o Poder Legislativo foram mulheres. Nesta eleição, foram eleitas 302 mulheres, contra 1.394 homens para a Câmara
dos Deputados, Senado, Assembleias Legislativas e governos estaduais. A representatividade feminina na Câmara de Deputados(as) aumentou, passando de 77 para 91 (alta de 18,2%). No Senado, houve queda de 11 para dez senadoras eleitas. Porém, ao analisar o número de
mulheres candidatas, foram 34% de mulheres, número que está acima da cota partidária
(de 30%). (2022)
Para se promover a igualdade de gênero no Parlamento precisamos fomentar práticas: mulheres integrarem as Mesas Diretoras e presidir Câmaras/Assembleias; relatarem e presidir as comissões mais relevantes (Ex.: Constituição e Justiça, Fiscalização e Orçamento); estruturação das Procuradorias das Mulheres (com servidores(as), espaço próprio adequado e equipamentos); mulheres serem dirigentes partidárias (presidentes como sou hoje na cidade e secretárias dos partidos); haver financiamento eleitoral (campanhas) equivalente ao de candidatos (homens); haver formação de lideranças partidárias femininas.
Precisamos compreender o porquê da promoção da igualdade de gênero, no Parlamento: a perspectiva das mulheres em relação às políticas públicas são distintas, por conseguinte, suas soluções; para superar a sub-representatividade das mulheres em contradição com número população / eleitorado/escolaridade/população economicamente ativa que são compostas por maioria de mulheres.
Algumas de nossas leis que exemplificam o olhar e perspectiva feminina: Lei 14065/2023, com o direito a acompanhante para mulheres em procedimentos médicos que necessitem sedação (com a lei federal legislação ampliada); Lei 13876/2022 que torna obrigatória a divulgação da rede de proteção às mulheres em estabelecimentos de assistência à saúde; Lei 13805/2022 com a fixação na entrada principal, nos banheiros, bares e outros locais visíveis de placas com as seguintes frases: “Violência e exploração sexual contra a mulher é crime. Denuncie – Disque 180.” e “Violação aos direitos humanos. Não se cale! Disque 100.”; Lei 13726/2022 que institui ações pelo enfrentamento à violência política contra as mulheres; Lei 13685/2022 que institui ações em prol de mães atípicas; Lei 13560/2021 que institui ações em prol das mulheres indígenas; Lei 13527/2021 que implementa iniciativas pela luta antimanicomial; Lei 13496/2021 e 13622/2021 que institui a Semana de Conscientização da Perda Gestacional e Neonatal – “Lei Elis” para garantia de assistência hospitalar de parto às gestantes e para mulheres em que ocorrer a perda neonatal ou gestacional; Lei 13619/2021 para preferência na matrícula dos dependentes da mulher vítima de violência doméstica e familiar e da mulher mãe solo em instituição de educação básica mais próxima de seu domicílio.
Os nossos indicativos ao prefeito também revelam nossa visão diferenciada: institui o programa “Não se Cale”, protocolo para identificar situações de violência contra mulheres em espaços públicos e privados de lazer e estabelece procedimentos para auxiliar pessoas que se sintam em situação de risco; criação do cargo de doula no município; profissionais da psicologia e serviço social nas escolas municipais; programas educacionais à noite e aos finais de semana; plano individual de parto para as mulheres; isenção de IPTU a pacientes oncológicos(as); avaliação fonoaudiológica de bebês em todas a maternidades.
E, sem dúvidas, olhar para o orçamento de 4,5 bilhões de reais do município, fruto dos nossos impostos, significa estabelecer prioridades. E foi assim que, nesses anos de mandato, fiz emendas/ajustes para aumentar retirar recurso da pasta propaganda e publicidade, em torno de 26 milhões anuais, para a promoção de mulheres e pessoas mais desamparadas, de pessoas com deficiências, para a educação, a saúde primária e moradia popular. Porém, sendo minoria de cinco a sete em meio a 27 cadeiras, no legislativo, nenhuma foi aprovada. Hoje, temos publicidade, recurso equivalente ao da pasta cultura e uma realidade maquiada, veículos de comunicação a serviço das narrativas do executivo, cujo “modus operandi”, “coronelista” e nada isentos ou desinteressados e insuficiência de políticas públicas nas áreas das emendas.
Fiscalizei, com a construção de instrumental próprio para a tabulação dos dados e apresentação ao executivo para aperfeiçoamentos, a maioria das escolas da rede municipal, toda a saúde mental, boa parte da saúde geral, DMAE (Departamento de Água e Esgoto), transportes e, neste ano, irei fiscalizar, por amostragem, os serviços de desenvolvimento social e OSCs (Organizações da Sociedade Civil) subvencionadas, especialmente as que mais recebem recursos e supostamente afinadas com o executivo.
Apesar dos desafios impostos a nós, na política, os resultados que alcançamos e o apoio familiar e popular que recebemos nos motiva, nos reenergiza e nos encoraja para fazer a boa política, com coerência, diálogos, negociações sem colocar em xeque valores e parâmetros éticos que me constituem.
Para alterarmos a realidade, precisamos ocupar os espaços de decisão. Estar em postos de poder inspira outras mulheres para a atuação sintonizada com as reais necessidades da população.
Como ativista do movimento de mulheres, voluntária fundadora da ONG SOS Mulheres na atuação há 27 anos com atendimento social, psicológico e jurídico continuado em situações de violência conjugal, familiar e de gênero; responsável pela implementação e primeira Procuradora da Mulher de Uberlândia, atual presidente do PDT em Uberlândia e tendo presidido também a Comissão dos Direitos das Mulheres, digo a todas: não irão nos intimidar! A tentativa de calar nossa voz é sinal de que estamos no caminho correto.
Como diria Nietzsche: “o que não nos mata, nos fortalece”! E, juntas, chegaremos cada vez mais longe. Aos que se sentem incomodados com nossa presença, afirmo que continuarei metendo a colher pela segurança das mulheres até que nenhuma mais seja violentada e pela educação para a igualdade, diversidade e inclusão.
Afinal, é fato que, e não me canso de repetir: transformar a vida das mulheres, transforma todas as vidas!