Reflexões sobre o Trabalhismo e Relações Internacionais

Reflexões sobre o Trabalhismo e Relações Internacionais

Aureo Toledo

Presidente Municipal do PDT-Uberlândia; Vice-Presidente da Regional do Triângulo Mineiro e Alto Paranaíba da Fundação Leonel Brizola-Alberto Pasqualini; Coordenador do Soberania Nacional – Núcleo de Base de Relações Internacionais

Se há um traço distintivo de nossa atual quadra histórica, ele diz respeito ao modo como as relações internacionais se tornaram, mais do que nunca, um elemento central para a compreensão das dinâmicas políticas e sociais que atravessam o nosso cotidiano. O recente tarifaço levantado pelo governo dos EUA contra o Brasil é certamente o exemplo mais recente e cabal disso. Segundo estimativas de agosto passado de 2025, os setores mais afetados do Brasil pelas tarifas serão o café, madeira, carne, pescados, frutas e construção civil[1]. Minas Gerais, terceiro estado brasileiro com maior volume de exportações para os Estados Unidos[2] – e a terra querida de onde escrevo – poderá ter ao menos nove cidades afetadas substancialmente pelo tarifaço[3]. Trocando em miúdos, isto pode implicar em problemas de arrecadação para as prefeituras, sem mencionar eventual aumento de desemprego nos setores afetados.

O tarifaço, contudo, é apenas mais um exemplo de como as relações internacionais podem impactar nossas vidas. Outra dimensão altamente sensível ao internacional está na palma das nossas mãos. Somos cada vez mais dependentes de nossos celulares para uma diversa gama de atividades, porém, de forma que infelizmente não surpreende ninguém, estamos alheios à produção da tecnologia que nos conecta ao mundo. Algoritmos são usados para nos fazer interagir, impulsionando comportamentos como curtir, compartilhar e postar, porém, estes mesmos algoritmos coletam dados sobre nossas atividades para oferecer serviços personalizados, o que serve para nos manter engajados e dependentes de suas plataformas. Paradoxalmente, apesar do acesso sem precedentes à informação, a população parece estar cada vez mais mal-informada, devido sobretudo à saturação de dados na internet, que dificulta a distinção entre o que é verdadeiro e o que não é[4]. Dessa forma, como se já não faltassem desafios cotidianos para os gestores públicos trabalhistas, vemos que a arena internacional se apresenta cada vez mais desafiadora, sobretudo para um país como o Brasil, cujos laços de dependência com o internacional são estruturais de nossa formação.

O que fazer? Desanimar certamente não é o caso. Pelo contrário. Para nós, militantes do Partido Democrático Trabalhista (PDT), parece ser o caso de buscarmos inspiração em nossas raízes. Dentre os partidos políticos brasileiros, o PDT possui destacado e qualificado pensamento e atuação internacional, porém pouco conhecido por parte de sua militância e demais interessados. A partir de uma leitura detida do Manifesto do PDT, salvo melhor juízo, a importância do internacional tem destaque em ao menos três eixos, quais sejam: (1) a formação partidária; (2) o diagnóstico dos problemas brasileiros; e (3) a prescrição para ação política. Em termos de formação partidária, nosso Manifesto aponta que:

O Trabalhismo que conosco retorna a vida política organizado como PDT é uma força que se alicerça nas batalhas democráticas do nosso povo, como também na experiência nacional e internacional que acumulamos. Daí a nossa solidariedade com os povos da América Latina, com os novos Estados de expressão portuguesa que surgiram na África, e com as forças democráticas de todo o mundo (grifo meu)[5].

Além do reconhecimento da experiência internacional como dimensão formativa do PDT, o manifesto acertadamente aponta diagnóstico em que os problemas estruturais e conjunturais brasileiros estão vinculados às relações internacionais em que nosso país está embebido. Logo, como exposto, “[a] transformação das estruturas internas de produção e poder se relaciona, intimamente, com nossa independência e soberania frente às economias e governos estrangeiros[6]”. Finalmente, em termos de prescrição política no plano internacional, o referido documento destaca que:

O Partido Democrático Trabalhista adota como princípios básicos a defesa da independência nacional, da integridade territorial, da soberania nacional, da autodeterminação dos povos, da coexistência pacífica entre as nações e do não alinhamento. Em consonância com esses princípios, o Trabalhismo Democrático defende o estabelecimento de relações diplomáticas e intercâmbio comercial e cultural com todos os povos. Repudia a guerra, as competições armamentistas, o emprego das armas de extermínio, e das experiências atômicas e termonucleares para fins bélicos. Luta contra o imperialismo, o colonialismo e o racismo. Condena todas as formas de agressão, intervenção e pressão econômica e batalha pelo respeito aos direitos humanos em todos os países. Defende a livre determinação dos povos na escolha de seus dirigentes e de suas formas de governo. Propugna pela arbitragem dos litígios e nos conflitos internacionais. Reivindica uma nova ordem econômica mundial que assegure a defesa dos nossos recursos naturais e humanos, a proteção dos preços de nossas exportações, a existência de relações financeiras justas, o acesso a todas as conquistas cientificas e tecnológicas da humanidade, e a garantia de uma participação igualitária nos organismos internacionais[7].

Todos esses princípios desaguam na estratégia para atuação no plano internacional apresentada pelo Programa do PDT, que apresenta as seguintes diretrizes:

6.1. Manter relações com todos os países com base nos princípios da
autodeterminação, não intervenção, coexistência pacífica, cooperação econômica e não-alinhamento.
6.2. Oposição ativa ao colonialismo e ao neocolonialismo, as políticas de
discriminação racial e ao imperialismo sob todas as suas formas.
6.3. Luta contra o rearmamento que propugne a redução de todos os arsenais de guerra e se oponha terminantemente ao use da energia nuclear para fins bélicos.
6.4. Defender os direitos humanos em todo o mundo, reconhecendo autoridade a ONU para coibir, sem o emprego da força, a violação de tais direitos por parte dos países membros.
6.5. Fortalecer as relações com os, países subdesenvolvidos e em desenvolvimento da América Latina. E da África em particular.
6.6. Propugnar pela efetivação do Mercado Comum em toda a América do Sul.
6.7. Reivindicar uma nova ordem econômica internacional que assegure a defesa dos nossos recursos naturais e humanos, a proteção de nossas exportações, e existência de relações financeiras justas, o acesso a todas as conquistas cientificas e tecnológicas da humanidade, e a garantia de uma participação igualitária nos organismos internacionais. 6.8. Lutar pela unidade e independência dos países latino-americanos, objetivando
a conquista e a consolidação da democracia através da solidariedade com as lutas de seus movimentos populares e o apoio a todas as reivindicações fundamentais de seus povos, desenvolvendo no plano econômico, relações destituídas de pretensões hegemônicas de qualquer ordem.
6.9. Desenvolver relações especiais com os países Africanos, particularmente com os de expressão portuguesa, com o objetivo de aprofundar os laços culturais e a unidade na luta pela emancipação econômica e social. Combater todas as formas de relacionamento com estes países baseados em política de expansão econômica que podem ocultar novos projetos de penetração neocolonial.
6.10. Apoio incondicional a luta pela independência de todos os países ainda
submetidos à condição colonial[8].

Os elementos supracitados são importantes pois apontam os horizontes a serem perseguidos pelos gestores públicos trabalhistas quando em contato com demandas que envolvem o ambiente internacional. Nota-se, de pronto, uma defesa inegociável de nossa soberania, assim como a ideia de que a inserção internacional deve servir para alcançar nossos interesses nacionais, não para nos manter aprisionados em relações de dependência que apenas nos penalizam. É legítimo, contudo, que se pergunte sobre os aspectos práticos. Como um país que não é uma potência pode navegar as tumultuosas águas internacionais e, ainda assim, alcançar seus objetivos? Novamente, o legado trabalhista importa. E muito.

A política externa do primeiro governo Getúlio Vargas (1930-1945) é a prática trabalhista a ser aqui brevemente rememorada. Até aproximadamente 1930, a política exterior do país era marcada pelo o que se chamou de americanização da política externa, inaugurada pela gestão do Barão do Rio Branco e que, em linhas gerais, buscou maior alinhamento com os EUA para escapar da esfera de influência europeia e ampliar o escopo da atuação internacional do Brasil para além da América do Sul. Com o mundo cada vez mais próximo da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), o governo Vargas optou pela estratégia conhecida como equidistância pragmática. Em termos internacionais, o pano de fundo para esta ação foi a crescente rivalidade entre EUA e Alemanha nazista e a gestação da então vindoura ordem internacional; e, de uma perspectiva doméstica, as reivindicações brasileiras de financiamento da siderurgia nacional e o reequipamento militar. Face a um claro momento de mudança do ordenamento internacional, Getúlio Vargas conseguiu barganhar com ambas as potências e, ao final, o apoio aos Aliados não foi gratuito, mas sim costurado a partir do atendimento das citadas demandas brasileiras[9].

Tais reflexões levam-me aos meus dois pontos finais. O primeiro é que as atuais teoria e prática do trabalhismo devem ser compreendidas como pontos de partida para uma reflexão sobre a inserção internacional, mas não como pontos de chegada, isto é, reflexões acabadas a serem seguidas a ferro e fogo. Meu entendimento é que temos premissas sólidas, porém elas devem estar em uma relação dialógica com o contexto em que estamos inseridos. A política externa de Getúlio Vargas é uma nobre inspiração, porém não deve ser jamais compreendida como manual com etapas sequenciais a serem seguidas cegamente. Por isso, a necessidade de um adensamento do pensamento e da atuação internacional do PDT para, inclusive, atualizá-los face as novas dinâmicas nacionais e internacionais.

O segundo ponto é relativo à legítima questão que pode se apresentar: tais reflexões não se prestariam mais para grandes conjunturas? Concretamente falando, como uma discussão sobre relações internacionais poderia contribuir para o dia a dia de gestores trabalhistas de municípios pequenos, por exemplo? Penso que uma discussão aprofundada sobre relações internacionais, mesmo a partir da vida política dessas cidades que podem parecer distantes dos grandes centros de poder é pertinente para identificar e prever impactos de dinâmicas internacionais e assim pensar estratégias para proteção de economias locais sempre informadas pela necessidade da defesa da soberania nacional. Todavia, é imprescindível que tenhamos clareza: a soberania e o interesse nacional não são elementos abstratos, mas sim construídos desde o interior, passando pelas cidades de médio porte e alcançando as grandes capitais, e que se concretizam com saúde, educação, segurança e a melhoria da qualidade de vida de todos os brasileiros e brasileiras. Fica, então, o meu convite para que ampliemos o debate sobre trabalhismo e relações internacionais.


[1] CNN Brasil. Tarifaço: veja impactos em principais setores brasileiros atingidos. Disponível em:< https://www.cnnbrasil.com.br/economia/macroeconomia/tarifaco-veja-impactos-em-principais-setores-brasileiros-atingidos/>. Acesso em: 22/09/2025

[2] G1. Tarifaço de Trump: mais de 60% das exportações de MG estão sujeitas a novas taxas dos EUA, prevê FIEMG. Disponível em:< https://g1.globo.com/mg/minas-gerais/noticia/2025/08/05/tarifaco-de-trump-mais-de-60percent-das-exportacoes-de-mg-estao-sujeitas-a-novas-taxas-dos-eua-preve-fiemg.ghtml>. Acesso em: 22/09/2025

[3] São elas: Belo Horizonte, Araxá, Contagem, Guaxupé, Itabirito, Mariana, Ouro Preto, Sete Lagoas e Varginha. Informação. Informação disponível em: <https://portalamm.com/levantamento-da-amm-identifica-nove-cidades-de-minas-como-as-mais-atingidas-pelo-tarifaco/>. Acesso em: 22/09/2025.

[4] Jornal da USP. Tecnologias dominadas pelas big techs colocam a democracia em risco em várias frentes. Disponível em:< https://jornal.usp.br/ciencias/ciencias-humanas/tecnologias-dominadas-pelas-big-techs-colocam-a-democracia-em-risco-em-varias-frentes/>. Consultado em: 22/09/2025.

[5] Manifesto do PDT. Disponível em: https://pdt.org.br/index.php/estatuto/. Acesso em: 22/09/2025.

[6] Idem.

[7] Idem.

[8] Programa do PDT. Disponível em: https://pdt.org.br/index.php/estatuto/. Acesso em: 22/09/2025.

[9] OLIVEIRA, Henrique Altemani. 2005. Política Externa Brasileira. São Paulo: Saraiva.

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